29 de dez. de 2010

Pulando as três cores, pois as ondas já passaram

Vermelho de uma paixão pela vida que se foi, dando lugar apenas à sobrevivência. Amarelo das cascas de bananas obtidas das lixeiras, moídas, e transformadas em um mingau matinal. É ouro. Branco das garrafas vazias de iogurte, que armazenam a água da chuva destinada para o banho. Ao menos, um banho em paz.

Mesa arrumada da melhor maneira. Um frango comprado quase de graça, já há bastante tempo abatido e descogelado. Refrigerante já foi mais barato, então lá está um suco com um ralo sabor de limão. É o seu refrigerante de limão. E um arroz trazido por um amigo, arroz pouco branco.

Fógos de artifício no ar, Ano Novo. E Vida nova apenas para os outros.

21 de dez. de 2010

Está entregue ao Cão

Em clima e férias entregarei a direção do blog a outro indivíduo. Os temas serão de sonhos durante o jantar, em que alguma comida caí da mesa e é esperada com uma vontade incontrolável de um furto cara de pau. Relatos de caçadas, em que pássaros recém nascidos são assassinados, mastigados em saliva grudenta. Reflexões obtidas por alguém deitado do chão da sala de estar, enquanto o sol proveniente da grande janela de madeira aquece sua pelagem cor de mel.

Em clima de férias entregarei a direção do blog a minha cachorra. Os textos terão palavras com letras duplas, provenientes de um pata desengonçada que geralmente aperta duas teclas ao mesmo tempo, sem querer. Uma espécie de latim, que vem do latido, algo nobre e difícil de ser ler.

Uma fucinho novo, e férias para mim.

19 de dez. de 2010

(42) Café adoçado com vingança

Enquanto a maresia embaçava o vidro dos quartos, a música alta de qualquer festança enchia o ambiente. Música pouco ambiente. A mãe, destruída em sua condição materna, alisava carinhosamente a imagem do filho em um porta-retrato.

Longe dali, um mecânico chegara em casa com pressa, ferramentas banhadas em sangue e pedaços de pele. Largou a mochila no sofá, pegou uma cerveja e deitou na poltrona. Relaxou, colocando uma das mãos atrás do móvel.

Era tarde quando sentiu seus dedos desprenderem da mão. Recolheu o membro ensanguentado, gritou de dor e fúria. Procurou quem o atacou; em vão, pois já havia partido como astúcia.

Ao acordar, a mãe, com o retrato do filho em mãos, encontrou um café pouco convencional. Dedos em uma bandeja, e um bilhete feito com sopa de letrinhas.

"OS DEDOS DE QUEM TIROU A OPORTUNIDADE DE UMA MAE SER MAE"

Café da manhã macabro, café adoçado com vingança.

16 de dez. de 2010

Tombo no solstício

É tão degenerativo este seu pensamento pouco cativante. Destruindo a si própria, pois assume uma posição além de suas possibilidades.

Ontem, encarei uma mulher de cabelos castanhos. Ela se encontrou comigo em uma troca de olhares e ambos os rostos tentaram disfarçar tal situação incômoda. Então lembrei de ti e de momentos juntos, e a sensação de algo que lhe cobria com uma pouco cativante concepção de si mesma.

Sonhei meu próprio jardim, antes compartilhado contigo. Ainda floresce por lá, grato por isso, porém as flores agora são negras. Preenchidas de cor alguma.

10 de dez. de 2010

Bastardos inglórios, não é o filme

Todas as donas, donas de si mesmas, donas de seus pertences, entram na grande catedral. Colorida, decorada atrativa, conveniente. Procuram a loja perfeita, mais que desejada, necessitada. Aquela que irá aliviar suas cabeças.

É um ambiente para se polir chifres. Lustrá-los com uma cera caríssima, dar-lhes valor estético. Hoje será o desfile de glória. Chapéus cascudos, não mais foscos, incrementados. Brilhantes como o orgulho. Não aliviadas, agora mais pesadas, porém, embelezadas.

Maridos em diversão, mulheres atrás de salvação. Cartões, cartões de crédito.

27 de nov. de 2010

O canto da sereia

Eis um grande aquário com seu peixão e seus peixinhos. Uma vez na vida, todos são retirados de lá. A voz onipotente testa a qualidade dos marinhos, e a grande revelação é revelada. Os peixinhos esbugalham os olhos por não estarem surpresos, o peixão não esbugalha nada pois não estava nada surpreso. A voz onipotente carrega o peixão com um canto de promessas triunfais, os peixinhos mergulham novamente no aquário. Agora limpo, porém cheio de ódio.

20 de nov. de 2010

Você parece um anjo só que não tem asas

Rua fria e noite de penumbras, o prédio resguarda uma luz no quinto andar. As sombras dos alicerces de concreto mesclavam-se com os galhos da vegetação.

Uma corrente de ar perturba as folhas, distorce o silêncio. Vulto em queda. A coruja voa, os grilos cantam, certa música de bar ao fundo.

Corpo no chão, a trajetória no ar  revelada pelo pó e névoa. A coruja também pousou na terra, com seus olhos grandes.

13 de nov. de 2010

Sobre religião, texto e pessoas

Conhecer o outro consiste em sempre possuir uma parcialidade sobre sua personalidade. Pois, no coração de um cristão, o inesperado é esperado, a aceitação duvidosa e o perdão facultativo, com a possibilidade de ser obrigatório. Um questão relativa, potencialmente aplicada.

Assim, rimas em textos são musicais. Imprevisíveis como a atitude do outro, surpreendentes com o grande final. Talvez paradoxais.

Cíclico... pensei e lembrei. Na história tudo tende a se repetir. Apostaria nessa rotina do homem, pois a sinto na pele.

8 de nov. de 2010

O Totem

Há tempos na estante, simbolizando algo relevante, um presente de alguém importante. Cheio de pó, partes despedaçadas ao chão, sujeira nas extremidades.

Caiu a confiança, seguida do interesse.  Desfalcada a figura tornou-se, mas os tempos bons ainda eram celebrados. Resistiu à tentação de desistir, com sucesso merecedor de inveja. É símbolo de vitória, entretanto, apesar do final indesejável.

O significado do símbolo, algo sobrenatural, quebrou-se. Da estante foi removido para uma atenção especial, ministrada com precisão. E, apesar e sem pesar, a confiança foi colada, acrescida do interesse. Pois o totem é símbolo de desejáveis épocas.

31 de out. de 2010

Velórios e Famintos

Hora do almoço, hora de almoçar. Coisa que fazemos todo dia, sem pensar muito o motivo. Ato de privilegiados. E privilégio custa caro.

Um fato curioso. Atravessando a rua, vejo um carro encostar perto do posto de gasolina. Desce um, dois, três, quatro, cinco, seis e sete. Vulgo transporte solidário, que ajuda o meio ambiente e amontoa pessoas no banco traseiro.

Antes do pessoal partir, cinquenta centavos de cada um para interar a gasolina da semana. E todos caminham em direção ao restaurante...

Self-service é a moda pra quem não tem tempo de almoçar em casa ou simplesmente não quer ter o trabalho de preparar algo. E requer dinheiro sobrando:

- O quilo está alto hoje. É pelo fato de ser domingo?

- Nada. O dono daqui morreu. Preço alto por tempo limitado, até cobrir o rombo que o velório deixou.

E o preço nunca muda:

- É que todo mês morre alguém da família.

Após comer, caminho pelas ruas com destino ao trabalho. Vendaval de panfletos eleitorais nas calçadas, no asfalto, nas árvores. Deveria ser um crime. Lembro de carros com seus adesivos típicos de época eleitoral rondando por aí, jogando esse monte papel nas avenidas. O claro que fica é: são loucos, além de porcos. Há quem discorde: os próprios.

Pois eu não gostaria de ser chamado de louco e porco. Eu discordaria.

Panfletos no chão. Nenhuma proposta para diminuir o preço da comida aos finais de semana. Andar me faz perder tempo. Pretendo ir almoçar de bicicleta da próxima vez, pois com cinquenta centavos eu compro umas balinhas.

24 de out. de 2010

Militância

A cama é o ferro velho para todo o corpo enferrujado. Cansamos dos problemas vitais, deitamos, rezamos para não sonharmos coisas ruins.

Apagamos por muito tempo, acordamos em um piscar de olhos. Eliminamos a ferrugem da face, lavamos o rosto.

Novamente encaramos, esgotamos o corpo, abusamos das articulações, estressamos os neurônios.

Mas temos uma cama em casa. E um sono em um piscar de olhos.

20 de out. de 2010

Bem vindo à vitrine

Certo Shopping está em estado de finalização de sua nova expansão. A moda agora é usar vidro na arquitetura, e ele não ficou para trás. Como grande estabelecimento consumidor, quer oferecer o melhor e o de mais moderno para os clientes. Então, temos uma arquitetura com grandes janelas de vidro, em que se poderá ver os consumidores passeando dentro das lojas e realizando suas compras.

Creio que tal construção chamará a atenção das pessoas do lado de fora, principalmente dos motoristas que transitam ali pela via principal. Observar toda essa gente adquirindo produtos e sorrindo pelo fato de satisfazer essa vontade, a de comprar, deve ser muito estimulante. As mentes humanas devem engrenar em um consumismo frenético. Tudo passa de uma arquitetura, moderna, baseada em vidro e cheias de segundas intenções, como funciona tudo nos moldes capitalista.

É uma grande vitrine formada por pessoas, e com uma bela decoração no interior das lojas. Deve ser desconfortante ficar sendo observado, mas há aqueles que não estarão nem aí, e aqueles adorarão. É o exibicionismo, e os consumidores são peças essenciais dessa grande vitrine.

Alguns desafortunados deverão observar esse baile, as grandes janelas de vidros, as pessoas comprando. Pensarão em invadir tal local com pedras e pedaços de paus, com um número absurdo de comparsas. Coisa que nenhum segurança de paletó vai segurar, e nem um número pouco significante de seguranças armados vai suprimir. Será o fim; um novo assalto, na verdade, só que de proporções monumentais. Seria coisa de filme, mas eu não duvidaria.

Afinal todos nós somos vitrines, e nosso objetivo é ficar muito bem apresentável para quem nos olha. E os desafortunados querem ficar bem, logo depois de matar a fome. Então tal invasão é um filme bem possível. A concentração será no estacionamento do Shopping, e farão um arrastão... As madames ficarão horrorizadas, os jovens acharão maneiro, as menininhas correrão, os senhores acharão tudo um absurdo.

É o absurdo da miséria, em que a riqueza expõe tudo em janelas de vidro e deixa o povo maquinando, em suas cabeças, cenas de felicidade financeira. Eles, do lado de fora, também querem ser felizes como o povo da vitrine.

18 de out. de 2010

Enforcando o assunto

Esta máquina devia chamar-se fonte de água potável, ou algo parecido. Bebedouro parece-me algo animalesco. Não é uma negação. Somos todos animas e não sei se sentimos mais que os próprios animais, os superiores e inferiores. Mas sentimos demais. Bebedouro é ofensivo. E estou sentido.

De encontro ao barbeiro, cortar o cabelo. O de sempre, senhor. Não há diálogo, ele já sabe meu gosto. Como se fosse sempre a mesma coisa. Hoje sou diferente, veja esta espinha novinha. O corte poderia combinar com ela.

Não gosto de conversar, e esse silêncio no ambiente, interrompido apenas pelo movimento da tesoura e pelo deslizar do pente no cabelo, já incomoda. Também há respiração das pessoas, passos. Não há palavras, quero palavras. Não vou falar nada, não gosto de conversas. Não seria eu mesmo.

Não tenho corda para arrastar o assunto.

E cortar cabelo faz cosquinha. É bom. Melhor que carinho na barriga, que também faz cosquinha. 

30 de set. de 2010

Apenas a vida, certo?

A gota de chuva deslizou sobre a curvatura do nariz e caiu em sua unha vermelha, no dedão do pé. Cabelos pesados, como as roupas. Ambos encharcados.

Guarda-chuva violeta com um babadinho em volta. A gota caiu do nariz, deslizando sobre o cabo prateado do acessório, logo atingindo a mão. Um calafrio, uma sacudida no braço.

- Hmm. Um furinho aqui.

Céu trovejante, iluminado por relâmpagos. Para-se na porta da loja, aproveita-se da cobertura e descansa a mão já incomodada.

- Chaves? Chaves?

Prateados como o cabo do guarda-chuva violeta, aquele com babadinho em volta, elas sobem do bolso com rapidez, tintilando barulho de metal.

- Chaves!

Abriu a porta com pressa, arremessou a roupa no canto da parede, como pedra.

Arremessou. Agora a si mesma, rumo à cama.

23 de set. de 2010

A doçura de nossos dias

Pessoas caminhando na calçada, mordendo e lambendo seus preciosos sorvetes. Todo aquele açúcar invadindo a privacidade de seus corpos, e uma maré alcalina possuindo o andar de suas pernas.

Vagarosamente eles se locomovem. E como em uma corrida de carros, quem está atrás tenta ultrapassar. Mas os primeiros colocados são extremamente vagarosos, e nem por isso quem está atrás, em uma velocidade superior, vai alcançar a glória das primeiras posições. Todos aqueles vagarosos formam uma barreira humana, pessoas em passos lentos, tomando seus sorvetes e batendo um papo desenfreado.

Passos acelerados por trás, alguns se tocam da inconveniente situação. Um espaço é cedido para a passagem, e nós, apressados e já irritados, ultrapassamos com um andar rapidinho, demonstrando a insatisfação.

Sorvetes são pedaços de preguiça, invadindo a privacidade de nossos corpos. A doçura conveniente para quem o lambe e inconveniente para o restante.

15 de set. de 2010

1° dica

Em meio às calçadas da Avenida Jerônimo Monteiro, o repórter corre atrás dos cavalos. É 7 de setembro e durante o desfile a cavalaria passou despercebida. Galopes ao fundo e ele se deu conta que tudo já se foi.

Em meio às calçadas da Avenida Jerônimo Monteiro, desviando da multidão nas estreitas calçadas, corre o repórter.  Câmera na mão, panfletos eleitorais na outra. A foto é essencial.

NOTA: o repórter é educado e não ignora os transeuntes que lhe oferecem panfletos ao decorrer do caminho. Apesar de achar um desperdício, ele faz esse sacrifício.

5 de set. de 2010

Alma

Tenho algum tipo de bloqueio ao encarar estes teus olhos verdes. Aglomerações das mais exuberantes árvores tropicais. Brisas refrescastes e calor o tempo todo.

Perco-me, coberto até a garganta por tantas árvores. Na verdade posso nadar nesses seus olhos. Ao acordar, encontro-me petrificado e fascinado.

Em outro tempo, superei conhecidos olhos azuis. Naufraguei em profundidade, e  não me foi dada a oportunidade de nadar de volta. Acordei em uma ilha qualquer, por acaso, sem saber por que.

Enquanto por lá estive, olhos negros vieram a tona. Clareza ausente, monocromia tediosa e amendontradora. Desses olhos corri. Correndo, na mata entrei. Entre as árvores, encontrei os verdes olhos. Sem profundidade, sem medo, sem ameaça. Apenas um bloqueio, um frio na barriga e alguma fascinação.

30 de ago. de 2010

A Sociedade do Fundo do Fosso

O odor acordara alguém no fundo do fosso. Mofo, umidade, cheiro que nariz algum mereça. Ele acordou com falta de ar. Toda a sujeira daquele ambiente já havia impregnada sua pele, seu cabelo, suas roupas. Levantou-se assustado e sacudiu-se igual cachorro molhado. Olhou para uma luz acima e, após presenciar um relincho sobrenatural, avistou olhos pegando fogo.

Abriu a boca para gritar e esterco caiu do céu, escorregando pela parede pontiaguda. Saboreou o gosto de cadáver, assustou-se e cuspiu, passando a mão na língua. Barulho forte de asas em movimento, algumas penas vermelhos espalhadas pelo ar e outras adormecidas no chão escuro e úmido. 

Uma corrente de ar atravessou seu corpo, era a criatura em movimento. A besta atirou-se no fosso, abriu as asas e planou. O homem encardido de fezes escondeu-se na escuridão de uma quina ali por perto.

As rachaduras exalavam cheiro do lado de fora, há muito tempo predominante por ali. Aromas de outras épocas, de outras estações e de outros cadáveres. O homem era quase um cadáver, um cadáver defunto. Imensa podridão no ambiente, marcada pela decomposição da quase que não finita matéria.

A criatura descia planando com suas grandes e avermelhadas asas. Jorrava suor por entre suas partes desprovidas de penugem, imundas e feridentas há bastante tempo, desde que apareceram por ali.

"Face a cara" com a besta, o homem arregalou os olhos com uma apreensão provida de pavor. As mãos excitadas em agarrar um cascalho, o mais pontiagudo possível. E foi lançado, vazando o olho da besta. Enfurecida, decepou o tronco do homem com a força das patas traseiras, demasiadamente cascudas. Um coice perfeito, corpo partido em dois, distância recorde de lançamento.

Uma besta caolha, um homem defunto cadáver. Mais matéria e podridão. Outro juntou-se à sociedade do fundo do fosso, inclusive o olho da besta. Mas esta ainda voa por aí.

26 de ago. de 2010

Não Obstante,

Entretanto, olhava para a vidraçaria no teto, quebrada. Todavia, ali por perto, meninas brincavam batendo as palmas das mãos e cantavam, coisa que me chamava mais atenção. Tempos remotos da infância, que todo dia era divertido e despreocupado.

Novamente desviando o olhar para a vidraçaria do teto, quebrada. Poucas pessoas notariam isso, conclui. Estéticamente detestável, como quatro bancos alternados por quatro lixeiras, em uma tentativa falha de formar um círculo no meio do ambiente. É um retângulo.

E pela vitrine da loja, vejo por ali alguns aparelhos de som, daqueles grandes de por na sala, e imagino quem compraria tal equipamento. Em um mundo em que toda música é MP e algum número, e que computadores portáteis são os toca-discos mais moderninhos, tal aparelho de som fica em uma grande desvantagem utilitária, grande e fixo. Mas são de um designer interessante, decoração... Terei um desses em minha casa, em breve, na sala de estar. As visitas olharão para ele e ficarão com inveja por não terem um. Um moderno mini system.

Perdidos nesses pensamentos, até achei-me inteligente por algum momento. Mas creio que pouca gente acharia incrível o que eu ando refletindo pelas ruas, pelos shoppings, pelas feiras, pela universidade... 

22 de ago. de 2010

A Basculante

Acordara assustado, com medo de sair. Sonhou estranhos fatos, acordou, pulando, e gritou. Nada vira igual, dolorosa realidade. Da janela avistou chover gente, montada nas gotas da chuva.

Não havia água em sua casa, apenas o zumbido da encanação vazia. Angústia lhe dava sede, e não podia matá-la. Angustiado demais em seus próprios pensamentos, supôs estar louco, e concluiu não estar. Era real em seus sonhos, como é real ao olhar pela sua janela. Apocalipse.

Preparou-se para o pior, o qual já conhecia. Tudo devidamente mapeado em seus sonhos. E no canto da parede ele se acomodou, com uma faca da cozinha em mãos. Palhaços vermelhos por ali passaram, sussurrando coisas abomináveis.

Agarrou a pequena foto da filha, e do coração jorrou sangue vermelho e vívido. A menina no corredor, e o pai no canto da parede. Lágrimas em ambos olhos, sangue no chão. Filhinha, vai dormir... Que papai já tá indo te cobrir.

Pela basculante, avistava-se chuva fina e serena.

17 de ago. de 2010

Intermitente

Andando cabisbaixo e ouvindo passos. É uma moça à minha frente e eu já de olhos erguidos. Seus cotovelos ossudos e a cintura magra, quão magrela ela é.

Bate o vento e os cabelos dançam desordenadamente, finíssimos e lisos que são. O odor agradável logo me vem por perto, trazido pelo mesmo teimoso ventaval. Seria talvez perfume, creme para mãos ou shampoo; na verdade nem importa. O importante é o aroma irrevogavelmente incomum e encantador.

Certeza tenho de que ela nunca olhará para trás. A moça tem pressa, seus passos apressados. Eu a persigo, e não é de conhecimento dela. Todos os movimentos eu contemplo, e ela nunca olhará para trás. Nunca.

Não, nunca olhe. E se olhar, eu fingirei não a notar, envergonhado. Não estou bisbilhotando, é engano seu. Esbanjará uma cara interrogativa, e eu a mesma coisa.

Escuto passos, ainda é ela à minha frente. A sandália batendo no calcanhar, o calcanhar batendo na sandália. Ruído constante. Minto: ruído parece-me pejorativo. Chamarei isso de sinfonia, pois é agradável como o perfume trazido pelo vento.

Na Fernando Ferrari, os carros farfalham ruídos. E a sinfonia dos passos da moça às vezes se perde. A sandália batendo no calcanhar, o calcanhar batendo na sandália, carros buzinando, frenagens, arrancadas...Oh, céus!

Silêncio. Ela parou. Silêncio. Por ali ela ficou e meu rumo eu segui. Resta apenas a Fernando Ferrari. Oh, céus!

11 de ago. de 2010

Rude (1)

(1) José não vem hoje?
(2) Não. A avó dele está doente. Deve estar no hospital uma hora dessas.
(1) Sério? Este final de semana fui ao velório de um parente meu.
(2) Seu senso de que tudo vai dá certo é incrível.
(1) Sou um pouco trágico.
(2) E falando em tragédias, nossa! Como você está amarelo!
(1) Mesmo? Nem percebi...
(2) Já estive assim. Era hemorragia interna e eu nem sabia.
(1) Credo. E quando José volta?
(2) Não sei. Deveria saber?
(1) Não, se não lhe interessasse.
(2) E lhe interessa?
(1) Não.
(2) Se perguntas, é porque lhe interessa.
(1) Pode ser.
(2) Eu tenho certeza.
(1) Azar.
(2) Azar o seu!
(1) (...)
(2) Deves ir ao médico, você está demasiadamente amarelo.
(1) Minha vida, oras.
(2) Creio que lhe interesse viver.
(1) Bah, adeus!
(2) Até.

10 de ago. de 2010

A arte de fazer uma orelha

Não consigo absorver livro algum na tela de um computador. De fato é um meio barato, mas não me fascina. É Impossível absorver a totalidade de sua construção e de suas idéias. Ler eu leio (como todo letrado faria), facilmente, mas parece que nada agrega.

Com um livro em mãos é diferente. As idéias são absorvidas e as palavras se desmancham, revelando a minuciosidade da construção do autor. A mão esquerda brinca com as orelhas das folhas, remechendo constantemente as páginas do livro; parece ser um ritual de aprendizagem. Já no computador, vejo minhas mãos mortas, assim como minha atenção para com o texto: morta.

Revelo que nunca vou apreciar adequadamente o texto de um blog, só mesmo após uma versão impressa em tinta preta na folha branquíssima. Portanto, sou horrível para opinar sobre texto de blogs. E os meus... Oh! Quem dera eu pudesse distribuir livros com textos meus (e outras pessoas também querem compartilhar seus devidos textos). Pois é, a possibilidade está neste meio digital. Então toda essa bárbara situação é devida à falta de recursos. Quem diria...

Falando em livros, lembro que pessoas adoram adquirir informação. E, é claro, toda informação é válida, em qualquer lugar e em qualquer situação. E, referindo-se à leitura, creio que eu seja uma espécie de leitor retardado. Digo retardado pois leio vagarosamente, em comparação com outras pessoas. Tenho mania de achar algumas frases incríveis e desmanchar todas as palavras, aprendendo a técnica do autor (talvez tente aprender em vão). Ah! Sim! Isso é uma verdadeira leitura para mim. Ser retardado, nesta situação, é proveitoso. Seria?

Sim, livros são melhores que a fixa e "imaleável" tela do computador. E minhas idéias só trabalham nos livros, só rendem, aparecem, residem por alí, e ,de vez em quando, algumas delas aparecem na tela de um computador. Oh!.... 

Por fim, saia do computador e vá ler um livro. Creio que será mais prazeroso. E, é claro, daqui há uma semana volte por aqui, com receio de que não será tão prazeroso assim.

1 de ago. de 2010

Um bolo antes do filme

Os melhores dias para se frenquentar o cinema são os dias útéis. Está muito mais calmo, vazio, e geralmente é mais barato que nos finais de semana. As pessoas trabalham o dia inteiro e preferem relaxar assistindo TV,  daí o cinema fica fantasmagórico. Certamente, os comentários indesejáveis, risos, gritos de exaltação, clarões de celulares não serão comuns, como são nos finais de semana. Portanto, os melhores dias para se frequentar um cinema são os dias úteis. Sendo possível, após o trabalho, a aula, dia de folga, professor doente, pegue sua esposa ou namorada e vá ao cinema.

Bem, convide-a. Ela talvez aceitará, e levará algum tempo se arrumando. Mulheres são como bolos, precisam de ingredientes e um tempo de preparo para ficarem apreciáveis. E, quando tem ingrediente demais, muito adorno, recheio, invenções culinárias da cabeça feminina, a receita falha, e é o desastre. Solou, queimou, tá doce demais. Experimenta e corre. A receita mais simples é a que menos falha, mas é a menos utilizada.

O ritual do bolo também acontece no preparo para uma festa qualquer. As mulheres competem entre si pelo fato de quem conseguirá a melhor receita. Outra parte dos fatos cotistitui os parceiros. Mulher de bons modos não aparece sozinha em festas, sempre haverá de estar acompanhada. E elas competem... Qual é o marido mais engraçado, bonito, "bebum", calado, inteligente e outras denominações da cabeça feminina... Afinal, o acompanhante também é um ingrediente da receita.

A alegria também conta pontos. Quando não há bebida alcoólica nessas ocasiões sociais, o jeito é improvisar piadas ou deboches. Assim o pessoal fica alegre, como se estivessem sob o efeito do álcool. E, no final da festa, é hora de sair à francesa, termo interessante que ouvi por aí; seria sair de fininho, sem despedidas demoradas; evita-se pedidos de "fica mais um pouco", aborrecimentos, perca de tempo com beijinhos e apertos de mão, ganhando, assim, mais tempo para dormir, mas corre-se o risco de enfraquecer as amizades.

Ah! Sim! Mais tempo para dormir! Sair de fininho, pois amanhã alguém acordará muito cedo e entrará no trabalho antes do horário habitual. Terminará o serviço antes do horário normal de saída, e pegará um cinema logo após, será uma segunda feira, em que não haverá todos aqueles berros, clarões de celulares, comentários e gritos. Poderá também convidar sua companheira, que efetuará o ritual do bolo. Ele indicará a receita mais simples, e ela vai teimar em inventar moda...   

28 de jul. de 2010

Pobre Metal

A alma de um cavalo deve sentir-se ferida ao ver um automóvel ultrapassa-lo. Seus ansestrais carregaram o homem tantas vezes, agora uma carcaça de aço trabalhado faz tal atividade. Anda o cavalo e o carroceiro pela Rodovia do Sol, arredores de Terra Vermelha. Exceção de veículo no local, pois predomina o vai e vem dos carros.

O animal se satisfaz, ao levar em consideração a falta de sorte dos condutores motorizados. Será que alguma vez eles montaram em um animal como ele? Sentiram como é andar com quatro patas, contemplando a vibração proveniente do impacto das patas cascudas com a terra? A maioria certamente não. O animal se satizfaz com tal pensamento. São homens coitados, que não foram felizes com seus ancestrais, cavaleiros satisfeitos em cavalgar em grandes campos abertos, com seus parceiros de quatro patas.

Cavalos devem se alegrar ao andar por perto do Jokey de Itaparica. Ver aquelas pessoas montadas em seus semelhantes, divertindo-se com o galopar dos animas, pulando por ali e acolá esportivamente. Ah! O cavalo fica feliz e talvez até deseje estar naquele ambiente. Mas, na verdade, adora competir com todos aqueles carros. O cavalo gosta de exibir-se na rodovia, exibe-se e ri de todos os condutores de veículos motorizados. Perde na velocidade, mas ganha em muito mais. A alma sente-se ferida quando máquinas deixam para trás o animal, mas é revitalizada em saber de uma superioridade extremamente marcada.

O carro tem como força uma artificialidade chamada de combustível, o cavalo tem a vivacidez de andar pela força do sangue guiado por inúmeras veias. É a originalidade da vida, e essa originalidade compensa certas feridas inerentes à alma do animal, feridas proporcionadas pela tecnologia. Então sua alma é revitalizada, ele é vivo e isso não mudará.

Ah! Um jovem com seu primeiro carro, todo aquele carinho e cuidado, toda aquela exibição. Um cavalo também desejaria toda essa atenção, toda essa arte de torna-se importante para alguém. Ah! Jovem, um cavalo gostaria de retirbuir toda uma atenção bem dada, retribuir carinhos, e o faz muito bem. Carros vivem para servir, são frios e sem capacidades emotivas. Animas vivem pelo fato de serem úteis, e utilidade é lema para um bom cavalo, assim como também para um cachorro - divertindo a criançada -, ou um canário - a cantar pela casa alegrando o ambiente.

Incríveis cavaleiros que contemplam a vivacidade de um veículo de carne e osso, pensaria o cavalo. São espetaculares como os ancestrais que domavam os cavalos nas batalhas, nas carruagens, nas corridas... O cavalo é muito mais feliz que todos aqueles automóveis, pois é o único com tal capacidade: a de felicitar-se, outro motivo de grande alegria. Pobre os que montam o metal.

23 de jul. de 2010

Volte Sempre

- Vou levar este tênis.

- Ótimo, senhor, dirija-sem ao caixa número dois.

- Têm desconto?

- Este preço já é o preço a vista.

- Entendo. Mas não tem como abaixar mais?

- Impossível. Um preço menor será descontado do meu salário.

- Nem 10 reais?

- Você é surdo?

- Como?

- Sabe, cansei de pessoas como você. Ficam insistindo em pagar menos. Eu odeio o ditado da esperança, a última que morre. Desista.

- Você deveria me tratar bem, sou cliente aqui!

- Certamente. Leve o tênis pelo preço da etiqueta. Desconto só para funcionários da loja.

- Quer saber, não levo nada. O concorrente deve atender melhor.

- Sim, atende sim.

- Então, adeus!

- Adeus.

- Você não vai me dá desconto mesmo, né?

- Preço da etiqueta, preço final. Assim como pretende ficar o meu salário, inteiro.

- Mas esse tênis só existe nessa loja.

- Pois é. É só pagar o preço da etiqueta. O preço líquido.

- Quero chamar o gerente!

- Ele não está.

- Droga.

- Então, vai levar?

- Não. Adeus.

- Adeus, volte sempre.

22 de jul. de 2010

21 de jul. de 2010

Notas do dia 21 de Julho

O fato de que Lívia Corbellari é a única leitora assídua deste blog é quase que uma verdade unânime. Digo quase, pois alguém pode desmentir minha afirmação, e eu sou muito de acreditar nas pessoas. A sugestão da senhorita Corbellari, que encontra-se na postagem anterior, seção comentários, foi muito relevante, e já está efetuada.

Mas, de fato, o primeiro parágrafo foi ladainha para a maioria dos leitores; maioria dos poucos. 

Vejamos o que minha manhã trouxe. Enquanto dirigia-me para a sala de estar, vi a coisa. Vulgo cachorro; cachorra, mais especificamente. Cochilava acalentada pela luz solar, que adentrava pelas enormes janelas de madeira. Parecia morta, mas dormia; as patas dianteiras e traseiras duras, como um defunto gélido. E, ao aproximar-me da coisa, ela abre os olhos encarando-me. E bate o rabo no chão, bate o rabo, bate o rabo; um som como o de alguém tirando a poeira de um tapete velho, batendo-o no chão repetidamente. Era alegria, creio; um soninho gostoso e um conhecido chegando por perto, talvez para um carinho. É só alegria. O chão de cerâmica estava frio, a luz do sol não era insuficiente para esquentá- lo - cerâmica não absorve calor com facilidade. Mas creio que a cadelinha estava quentinha, além de sonolenta e alegre, batendo o rabinho.

Durante a tarde, dei um passeio de ônibus. E no veículo, encaro as pessoas; adivinho certas coisas pelas suas feições, ou finjo adivinhar; talvez eu, tolo, acredite que adivinhe algo. Mas, enfim, chegamos ao passageiro observado. Um rosto melancólico, de certa dor. Talvez exausto por uma manhã trabalhosa, um começo de dia de trabalho. Unhas das mãos e pés parcialmente sujas de tinta, também degradadas, talvez por produtos químicos, e tinta não deixa de ser um. Um pintor, ou trabalhe com gesso ou algo parecido. De fato, o que sei, é que ele estava cansado. E ele me pegava olhando para ele.

- Não é nada! Só tenho que ter algo para escrever no blog hoje! Entende? - teria dito eu, sendo um pouco mais corajoso.

Chegamos à noite, eu voltando para casa. Para (para de parar, não há mais diferenciação) um carro por perto e, ao abrir de suas portas, um cheiro de perfume espalhou-se pelo ar. Um perfume que supus ser caro, pela fragrância desconhecida, extravagante e gostosíssima. Quatro rapazes vestidos à moda do momento saltaram do carro, e este partiu. Por fim, o carro era de uma marca não muito humilde. Inveja alguma, sou lesado com automotores e não faço questão de dirigir um. Investiria tal dinheiro em outras coisas...

Notas do dia concluídas, hora de tomar um café. Lívia Corbellari, obrigado pela atenção, e também vários "vivas" aos esporádicos leitores.

18 de jul. de 2010

A Crônica da Hora do Almoço

Seus olhos furtaram os pedaços de carne. Observou as redondezas com destreza, concluindo a hora certa do ato. Enlaçou a ponta de carne com os dedos da mão esquerda, escondendo-o na cavidade de sua boca. Os olhos, dissimulando a ação. O chefe não suspeitou, estava de conversa afiada com o garçom. Os clientes montavam o prato ali por perto, de maneira distraída. O churrasqueiro escapou ileso.

Ele, o churrasqueiro; que furtou o pedaço de carne com os olhos, logo após o dilacerando com os dentes, discretamente. Havia fome, havia tédio. Carne para fome, mastigação que espanta o tédio. Não foi uma má ação, foi uma a gloriosa ação, a ação; instinto primitivo. Deveria ser um bom hábito. Hábito esse que evitasse o desperdício do pedacinho de carne, hábito esse que mata a fome e quebra a rotina. E foi. É o ato da ilusória libertação daquele mundo.

Diria um mundo conhecido como pequeno inferno. Uma churrasqueira enorme e quente, que lhe incomoda aos montes. Algo quase que deplorável. Deplorável como a situação após o dia de trabalho, um suor impregnado de carne, cobrindo o corpo de um ser humano exausto. De fato, ele deve comer toda a carne que quiser. E água também, é essencial. Aquele senhor, vulgo chefe da churrascaria, deveria oferecer um suco de laranja ao churrasqueiro. Deveria sim, tentar até mesmo um rodízio, uma escala. Trocaria de lugar com seu fiel empregado, assumiria o inferno na terra, e os pedacinhos de céu na tábua de carne.

- Veja, chefe! É bom cortar carne! É bom cortar carne! Furtar  os pedacinhos que sobram na tábua, a melhor parte. É bom cortar carne! É bom cortar carne! O que vai querer? Um suquinho de laranja! Uma coca-cola também seria uma boa!

Oh! O suor pingando na carne, a gordura pingando na pele, a pele bronzeada de suor e gordura. Os pedaços de carnes furtados, quase que uma gorjeta mais que merecida. O paraíso no pequeno inferno.

17 de jul. de 2010

A história do anjo que caiu

O céu nunca fora tão límpido. As nuvens correram do olhar de Liza. E, ao cincurdar com os olhos todo o globo sobre sua cabeça, ela adormeceu. As nuvens ressurgiram, carregadas de raiva. Chove no rosto de Liza. Levanta-se assustada, pensara que havia chorado. Logo compreendeu.

Encara o céu, e se dá conta de que aquilo não funcionaria mais. Saca a espada, ergue as assas. Sobe com a brisa do mar e plana com o vento do bosque. Delicadamente, tira a espada da bainha. Murmura palavras previamente decoradas e as chamas tomam conta do artefato. Estende o braço, e com a espada flamejante como guia, perfura o céu carregado de raivosas nuvens. E, ao chegar no topo, apenas deseja se deitar no bosque e observar novamente o céu.

Desfaz o feitiço, recoloca a espada na bainha, recolhe as asas, e se deixa cair. Uma sensação única.

15 de jul. de 2010

Toda vida dá um Romance

Chego à praça. Sento. Observo o ambiente.

Um casal à minha esquerda. O rapaz olhando para a moça. Dizendo-lhe algo. Nada escuto. Suponho que ele pergunta: “Vamos casar”? Ela responde: “Casar, eu? Noiva? Mas falta muito para isso aqui ser um namoro!”.

O casal caminha e eu os perco de vista.

Três meninas à minha direta. Uma diz: “Vai um fast food?”. A outra fala algo. Nada escuto. Suponho que ela disse: “Certo! Mas terei que contar as calorias”. A terceira fala por último: “Ah! Tem uma tabelinha por lá! Você multiplica qualquer número por três. Daí você tem uma margem de segurança. E ainda é arriscado desistir de comer. Maravilha!”.

As três se dirigem ao Mac Donald’s, e não as vejo mais.

Dois rapazes à minha frente.

O primeiro diz: “Preciso de um carro”. O segundo responde: “Carro? Onde você vai arranjar dinheiro para isso?”.

- Não importa – reponde o primeiro – preciso de um carro.

O segundo nada fala, mas faz cara de reflexão e esbanja um sorrisinho de deboche. Suponho que ele teria dito: “Mas nós adoramos o transporte público”.

Os dois entram em um ônibus. Somem de vista.

Ali por perto, um pássaro fez cocô na mochila de uma menininha com cachinhos. Ela não viu, mas eu vi. Nada falei. Analisando o rosto da menina, de uma feição escandalosa, pensei: melhor não avisar.

Do outro lado da praça, tinha uma mulher de meia idade. Olhava para o céu. Resolvi procurar o motivo da atenção. Pássaros! Talvez o pássaro que defecou na mochila da menina estivesse por ali. Foi aí que reparei a zona de perigo. Constitui que: os pássaros descansam nos fios dos postes, e quem estiver ali por baixo tem grande probabilidade de ser adubado pelo cocô dos animais.

Não. Não avisarei a menina com feições escandalosas.

A mulher, de meia idade, levanta e vai à padaria. Não a vejo mais.

Filho e pai aparecem por perto.

- Vem, Pedro! Vem!
- Não! Não vou!
- Tá! Então fica aí!

O pai se afasta.

- Pedro! Vem!
- Não! Não vou!
- Então xau!

O menino cismou em chorar. Correu em direção ao pai.

- Tá! Eu vou! Mas quero sorvete!
- Tá! Tá bom!
- De chocolate!
- Tá! Tá bom!
- Eu vou. Mas quero sorvete! Entendeu?
- Sorvete! É Claro!
- Vamos!
- Vamos!

Pai e filho se afastam.

Algum passarinho defecou novamente na menina com mochila. Agora acertou um de seus cachinhos.

Ainda pretendo não avisá-la.

Algo caí em minha cabeça. Passo a mão. Não é cocô. É água. Olho para o céu. Vejo nuvens negras. Chuva. É tempo de partir.

Fim.

10 de jul. de 2010

Teorema do Chocolate

Chocolates são pessoas, assim como pessoas são chocolates. Dos mais amargos aos mais doces, dos recheados aos incrementados. Dó daqueles que não gostam de chocolate, ou que os evitam. Chocolate é complexo e sensacional. Dó de vocês.

Para aqueles que contemplam o chocolate: observem. No primeiro momento, supomos que pessoas são chocolates do tipo predileto, nosso preferido; e que, inicialmente, não há nada para classificá-las em uma categoria não apreciada. Mas, ao aproximarmos, sentimos qualidades inerentes a cada um, especificidades. Umas agradam, outras não. Será a hora de caçar o sabor ideal para o seu paladar.

Há aqueles que apreciam os amargos. Pois se ninguém é perfeito, porque haveriam de viver só de doçura? Até no amargo reside o prazer, a singularidade de um sabor ex-clu-si-va-men-te amargo. Mas não é completamente amargo, é meio. Meio amargo, pois a qualidade completa o defeito e o sabor é sem igual.

Os doce talvez seja o mais requisitado. E, como sempre, cuidado: doce demais faz mal. Adoramos o doce, mas sujeito doce cansa. Daí você sente falta de uma diferença, caí na tentação do amargo e vê que não é tão ruim assim. Talvez o doce nos cega e em sua mente há um plano para nos fazer mal. E quem disse que no amargo também não reside um plano diabólico?

Chocolate recheado é o elemento surpresa. Experimentou e viu algo que não deveria estar alí. Mas está, faz parte, é parte do sujeito. Não há como chorar, o jeito é dispensar. Para evitar o desperdício, ofereça-o a outra pessoa, mas avise do conteúdo chocante.

Incrementados querem aparecer demais, duvidamos de sua qualidade. Mas quando sentimos o aroma extravagante, bom aroma por sinal, e sua aparência exclusiva, e bela, caímos na tentação. Decepciona ou não. Sorte, talvez. Pode ser tão bom quanto aparenta, ou pode ser vazio de sabor.

Chocolates são pessoas, assim como pessoas são chocolates. Dos mais amargos aos mais doces, dos recheados aos incrementados. Uma grande degustação de chocolate.

7 de jul. de 2010

Vuvu vá

Em tempos de copa, Vuvuzela é um indivíduo particularmente chato. Exibido aos montes, irritante do mesmo modo e presente quando nunca se quer por perto. O Vuvuzela cismou em perseguir minha pessoa; e sempre se faz presente, sempre que não é requisitado.

Observe. Em partidas de futebol, lá está o Vuvuzela. Supõe-se que, eu, na frente da TV, tenho como objetivo assistir ao jogo de futebol, benditos jogos da copa do mundo. E gostaria, em paz. Mas, lamentavelmente, está Vuvuzela ao meu lado. Voz irritante, corpo decorado de verde e amarelo, munido de uma tortura acústica sobrenatural. 

Lá vem um lance importante... Gol? Falta? Cartão vermelho? Não... Vuvuzela gritando. Minhas mãos nos ouvidos, olhos fechados e Vuvuzela reclamando. Cadê? Perdi o jogo, a concentração se foi. Não ouço mais os comentários dos narradores, o apito do juiz; nem consigo mais prestar atenção nos lábios dos jogadores, do técnico, dos reservas. 

Gosto de adivinhar o que eles dizem, um espécie de leitura labial. Talvez, desta maneira, eu aprenda algum tipo de dica sobre futebol. Mas, conclui que a cada quatro palavras ditas, três delas são palavrões. Principalmente em jogos tensos, mas não necessariamente. Então, esse meu passatempo é inútil. Relatei tudo isso, essa minha mania, para que vocês entendam claramente o meu recado ao Vuvuzela: “Caríssimo, leia os lábios dos jogadores, você encontrará palavras inconvenientes que eu gostaria de dizer a você, sobre você”. PS: eu estou falando sério. 

Vuvuzela aqui, Vuvuzela acolá. Vuvuzela berra. Tagarela. Também aqui, em minha janela. Desespera. E em nada manera. 

Indivíduo desregulado; ora grita de felicidade, ora reclama de insatisfação, ora berra sem motivo algum. Ainda quer certa intimidade, quer ficar grudado aos meus ouvidos. Distância, por favor. Acredite, isso incomoda. Certo... Vuvuzela, tenho tudo contra você, mas nada contra as pessoas que adoram escutar os seus estridentes berros. Grite, grite, esgoele-se; mas, longe de mim. Um raio de dois quilômetros parece-me razoável. Quero assistir aos jogos em paz. Ficarei feliz e você poderá fazer o que quiser. Lembre-se: a dois quilômetros de distância. 

Não, Vuvuzela. Não vou lhe chamar de Vuvu. Não quero intimidade para com quem eu não tenho afinidade. Mas se chamar-te de Vuvu, carinhosamente, o fará partir; e eu espero que sim. Então, Vuvu vá! Vá embora!

4 de jul. de 2010

Improviso Insesato II

- Acabaram os fósforos!

- E agora? Como voltamos?

- É só andar de costas!

Andaram de costas e o tempo passou um tanto rápido demais. A lua começa a sumir no céu. Os morcegos cessam os o bater das asas. Clareia um pouco, mas não no escuro caminho. Chegam à encruzilhada. Sim, clareou um pouco por lá; apenas na encruzilhada.

- Quatro caminhos, novamente.

- Qual tentamos?

- Certo! O claro demais!

Não cosneguiam permanecer com os olhos abertos por muito tempo. Decidiram fechar os olhos e prosseguir. Andaram às cegas o tempo todo, e novamente esbarraram em algo. Logo após, andaram novamente. Esbarraram denovo. Um caiu. O outro ajudou a levantar.

- Não dá! Voltemos!

- Mas não consigo enxergar nada!

- Voltemos de costas!

Já era manhã, mas naquele caminho claro demais não fazia diferença ser manhã ou não. Encruzilhada novamente. Sol bonito. Morcegos dormindo em uma gruta qualquer. Olhos encarando a bifurcação. Eram dois caminhos, duas portas, e duas maçanetas.

- Qual agora?

- Escolha você...

3 de jul. de 2010

Improviso Insensato I

A lua surgiu de cabeça para baixo, e não faz diferença alguma. Seu brilho parecia mais opaco, talvez por toda umidade do ar. Morcegos sobrevoavam as negras copas das árvores, como doidos. Cegos em um mundo de cegos.

Neblina densa ofuscava os seus olhos. Ele sacudiu a mão em um movimento de leque. Não consegiu sucesso algum. Ao longe ouviu gritos. Gritos conhecidos de alguém que já começara a lembrar.

Era um suposto amigo. Em lembranças distantes, lembrou que era um amigo. Os dois reconheceram-se a muito custo, pois parecia que não se viam há algumas décadas. A lua de cabeça para baixo, suas mentes reviradas por uma destruidora confusão. Precisavam de algum tempo para reorganizar suas idéias.

A neblina dissipou-se em meio termo, pode-se observar estradas a uma curta distância. Os dois se entre olharam e pensaram na mesma ação: aproximar e reconhecer os caminhos.

Não eram familiares, nunca haviam visto nada parecido. Eram quatro caminhos. Um pequeno, que se bifurcava em dois; um totalmente escuro, em que nada se via; outro tão claro que doía os olhos ao observar. Acharam incrível. E quando olhavam para trás, viam apenas neblina. Decidiram não enfrentar aquela densa e misteriosa neblina. Escolheram um dos caminhos e partiram.

Influenciados por uma luz de brilho opaco, da lua de cabeça para baixo, escolheram o caminho escuro. Encontraram alguns palitos de fósforo no bolso, e se guiaram com a luz deles. Andaram até o primeiro tropeço, depois andaram novamente. E, pareceu ficar mais escuro a cada paço efetuado.


29 de jun. de 2010

Por baixo dos vestidos




O pai, senhor distinto, vestido socialmente, acompanha as duas filhas. Uma está à direita, a outra à esquerda. Ambas, de mãos dadas com o papai. Meninas de vestido, até um pouco abaixo do joelho. Algum tipo de controle do pai. Possuem faces rosadas e inocentes. Infantis, de certa maneira, mas já aparentam contemplar a adolescência.

Os rapazes passam bisbilhotando as duas. O pai olha tentando intimidar. Entretanto, rapazes mal intencionados não se intimidam facilmente. Mas papai segura a mão de cada uma de suas filhas, com carinho e firmeza. Ele não vai soltar nenhuma delas.

Elas sentem o desejo de experimentar. No tempo da promiscuidade, a inocência é ilusão. O senhor, pai distinto, vestindo socialmente, está iludido. Os rapazes passam, elas olham. Mas olhar não é pecado. O pior de tudo é imaginar o indevido. E o indevido da imaginação o pai não controla. Pois o que passa na mente das moças é inerente ao mundo delas e somente delas. O mundo em que um senhor, por mais distinto que seja, não pode invadir. Ele está iludido.

Daí, o escudo do pai caí. Pois a imaginação das meninas aflora e os rapazes olham. Eles olham, elas olham. A imaginação aflora. O escudo da proteção paterna cai e senhor distinto fica indefeso perante os olhares dirigidos às filhas. Mas ele ainda tem as amarras, suas mãos junto as delas. Papai não vai soltar a mão. Ele não vai. A imaginação voa, mas o corpo está devidamente amarrado.

Um dos rapazes passa a língua no lábio inferior, uma espécie de código. As meninas trocam olhares e sorriem entre si. Papai não é de escândalo, não há nada por fazer. O mínimo é sair dali, procurar um lugar distinto, para um senhor distando e moças supostamente distintas. Mas, antes disso, uma das meninas responde ao rapaz. Realiza uma mordida no lábio inferior. O pai segura as mãos um pouco forte. E resmunga uma oração.

O senhor, pai, distinto, vestido socialmente, deseja o caminho para o céu. As filhas nem tanto. A estrada para o inferno é mais prazerosa e requer menos trabalho. O caminho para o céu é um penoso celibato. É melhor antes casar, mas casar demora demais. O que fazer? Talvez se render aos olhares maliciosos e ir atrás de algo mais. Mas papai não vai soltar a mão. Filhas iludidas. O pai mais ainda. Pois a imaginação de adolescentes é um grande inferno. Porém, as amarras são fortes.

24 de jun. de 2010

Romeu ainda não morreu

Hoje desenvolvo um relato, talvez relacionado ao amor, à paixão, ou sobre o medo de viver só. Sou um mero observador, atrelado de alguma maneira ao suposto casal. Pode-se dizer que seguro a vela, grande como um sírio pascal, que pretende durar bastante tempo. Mas esta embromação supostamente atravessará um ano.

Ele desistiu dela. Mas nem por isso deixou de procurá-la. Ela alega que o moço é grosseiro em como tratá-la. O lado masculino diz: ela é complicada; o feminino grita: você não sabe me tratar. Não é amor, é uma afeição; talvez um quase amor. Uma amizade desenvolvida ao ponto mais quente do gostar de alguém; uma amizade medrosa em partir para um beijo fora das bochechas, abaixo do nariz, acima do queixo.

O moço discorre o seguinte: “a compulsão de te beijar na boca já se foi. Não quero mais.” Ela responde com um olhar mudo. Emana certo arrependimento, mas a moça é mestra em dissimular coisas, assim afirma o rapaz supostamente apaixonado: “você é uma dissimulada”.

Não afirmo que é amor. Pois amor é uma palavra séria e deve ser usada cuidadosamente. Arrisco dizer que está é uma paixão desajustada. O lado masculino tentou ajustar, o feminino recusou. Ele desistiu dela, mas ainda a procura. Joga toda a sua indignação em cima daquele olhar grande e dissimulado. Afirma não querer mais.

Sempre estou perto dos dois. Um espírito de curioso, o espírito dos relacionamentos alheios. E ele quer sim, quer tê-la. Diz o lado masculino: “não, eu não quero”; respondo: “sim, você quer”. Embromação.

Na lanchonete, os dois na mesa. Um em frente ao outro. Eu seria uma espécie de cupido, a uma distância equidistante em relação a eles. As mãos do casal estão próximas. Então digo: “vejam suas mãos, supostamente juntas. É um sinal”. Sou repreendido, taxado de louco. Sou um louco com uma vela na mão, é claro. Arrisco dizer que isso ainda vai dá amor.

Falar sobre paixões, amores, é fácil. Todo mundo tem suas concepções. É um assunto vasto, excitante. A história desses dois é mais uma história. E, como todas as outras, é um relato curioso que desperta interesse. Talvez seja amor certo, mas destinos opostos. Uma relação cômica. Mas o amor é isso. O cômico, o riso, o sorriso. E também, a desgraça e o sofrimento. Prefiro a parte mais alegre. E torço que esta afeição dotada de espinhos parta para o lado mais alegre. O lado masculino diz: “eu não a quero mais”. Eu dou uma ajudinha e digo que ele quer sim. O lado feminino nada fala, uma dissimulada. Então deixo um recado para ela: “seu olhar é mudo, mas sua face lhe entrega”. Você também quer.

22 de jun. de 2010

Como deixar uma marca

Nunca desenhe de giz na calçada, pois vem a chuva e apaga.

De preferência, utilize a britadeira. É infalível.

18 de jun. de 2010

O cômico do trágico

Joseph descia pelo o elevador, escutando o vizinho gritar pelo corredor que acabara de deixar. Gritos de descontentamento pelo café da manhã não à disposição na mesa. "Ok! Eu como no trabalho!". "Não! Eu não quero mais saber! Eu nem me importo mais!". A distância entre os andares aumentava e o som se perdia, ecoando, rebatendo, dissipando-se pelo fosso do elevador. A gritaria não mais alcançava os ouvidos de Joseph.

A atenção voltou-se para o som das cerdas a serem precionadas no chão da portaria. Estava no segundo andar e já conseguia ouvir Tia Ana, a faxineira, limpando o chão. O vai e vem da vassoura acumulava a poeira entre as cerdas. Logo em seguida, ela batia com o instrumento no chão, tentando se livrar da sujeira. Joseph imagina a cena, fazendo de imagens sonoras imagens visuais. Por porco tempo, pois o elevador já sinalizava P, de portaria. O elevador abriu sua porta e o menino cessou de imaginar. Encarou Tia Ana, trocando um bom dia. "Bom dia, Josefh!". "Ei, Tia!".

Atravessou o portão principal do prédio e olhou para o céu. Ameaçava chover e fazia algum frio, nada que lhe incomodasse. Ouviu três estrondos. O primeiro, breve; o segundo, mais alto; o terceiro, a sua frente. Um corpo caíra no chão. Reconheceu: a mulher de seu vizinho.

15 de jun. de 2010

Teorema do Amor

Namorado é aquele que de qualuquer pedaço de papel faz uma carta de amor. Escrevendo simples eu-te-amo. Coloca-o no bolso da parceira e diz: algo para você.

Namorada é aquela que olha nos olhos do parceiro ao indagar um "tudo bem?". Um olhar profundo de ternura.

Amor é quando um aperta a mão do outro. A resposta será com o mesmo gesto.

Relação amorosa é puxar a cadeira, estendendo a mão para intensificar o ato. Do mesmo jeito, deixar que a companheira passe na frente.

Relação amorosa é encarar o apaixonado, até que ele indague o porquê. A resposta será: nada não.

Amor é entrelaçar os dedos. Rústicos do homem, delicados da mulher. Amor é apertá-los, logo após roubando um beijo no rosto. Um selinho e algo mais mirabolante para concluir.

14 de jun. de 2010

Um conto (2)

A força abandonou seus braços. E como as pernas, sucumbiram ao cansaço. Seu crânio latejava de dor, uma mistura de sangue e suor.

- Você falhou, seu tolo - disse o cérebro para si mesmo. Ele queria entregá-lo de bandeja para a criatura.

Sabia que se fosse devorado não haveria mais esperança. Era uma besta caçadora de esperanças. Uma espécie em extinção, porém letal. A essência de toda a sua credulidade seria arrancada do seu corpo - sangue, suor, vísceras: tudo seria desperdiçado.

Por sorte, pouco o separava do penhasco. Contorceu o corpo de maneira a rolar pela terra. E caiu.

- A esperança morre comigo, seu monstro. E tomara que eu caia de cabeça! (risos maquiavélicos)

11 de jun. de 2010

Um conto

Ele correu tanto que as pernas não respondiam mais. Seu cérebro dizia: corra, corra, pois você vai morrer. Mas as pernas sucumbiram ao cansaço. - Pelo amor de deus, corra, corra seu estúpido. Não olhe mais para trás, apenas corra.

Mas ele torcia o pescoço ensanguentado e olhava; desesperava e gemia. Agarrava as raízes à sua frente, tentando arrastar seu corpo. - Seu estúpído, do que adianta trinta centímetros por minuto? - o cérebro brigava consigo mesmo.

Então enfureceu-se e agarrou uma pedra qualquer. Fez questão de sentir se era pontuda o suficiente. Golpeou o cérebro cinco vezes, exatamente. - Idiota, isto é suícido!

Preferia toda esta dor, todo este masoquismo, a ser ser devorado pela besta.

(CONTINUA)

10 de jun. de 2010

Poetanto (5)

Lapiseira
Caneta
Ou giz de cera

Na mesa

Queria
A sobremesa

Desenha
Resenha
Desdenha

Cozinha
Coisinhas

Que tal brigadeiro?
Com algum tempeiro?

8 de jun. de 2010

4 de jun. de 2010

Intimista

Ela tinha acabar. Pois toda aquela magia, aquela vontade, aquele carinho se foi. Foi consumido, devorado, trucidado. Alguém passou e levou, carregou, roubou. Nossas asas foram cortadas, queimadas, incendiadas.

Ela se estendeu por um grande tempo; horas banais, minutos estúpidos, segundos mortos. Um grande comodismo: uma fachada em desmoronamento. Certas coisas são cansativas, consumistas, egoístas. Consome a vitalidade, o feeling do amor. 

Dela, só um amava.

Então o que entra em cena é a desilusão. O teatro está lotado de ninguém. Dos dois atores principais, só há um em cena. O outro fugiu da finalidade da peça da vida. As colunas estão escoradas pelas mão de um só. Caí, pois não há o sustento dual, forte e excitante.

Sua boca calada, mãos impedindo a visão. O melhor é deixar o concreto desabar sobre o corpo. É chegada a hora de alguém puxar seu corpo de todo esse peso sobre você. Mas certas coisas são pesadas demais.

Você se considera um monstro. Pois aquela palavra que nos faz humanos parece ter morrido. Mas sempre resta vestígios, como pó de madeira em uma serralheria, pó de minério da siderúrgica, pó de sílica da pedreira. Do que é mal, surgirá o que é bom. E das sobras se erguerá um novo reinado, o reinado que nos faz humanos.

Não me tornarei um monstro. Hoje não.

2 de jun. de 2010

Dia frio

Nuvens de esperança cobrem o céu. Encobrindo cada cantinho, antes cor de anil. Chove decepção, finíssima e constante. E, ao cair, embebe-se de um ar envenenado de insatisfação. Cresce com o cair, une-se ao próprio ele. É uma não tão grande gota de decepção. Encharca a terra, já previamente molhada pelo desespero. Então o monstro é semeado, o mostro da desesperança. Alimenta-se do anil, do azul e do sol.

O sol morreu na semana passada, de desilusão. Apagou com o sopro da amargura. Nem a lua quis assumir seu lugar. Onde havia sol, há agora escuridão plena, escuridão desesperadora. Oferta recusada. Senhora lua preferiu dormir na terra, apodrecendo e engolindo minhocas.

28 de mai. de 2010

Criando uma situação

Jogue uma bala de chocolate no meio da mesa, com quatro pessoas presentes. Uma delas vai tocar a bala, indagando que não gosta daquele tipo. Outra ficará em silêncio, olhando com desejo. A última, vai pegar a bala, já que as outras duas não a possuíram. Você, a quarta pessoa, só tira conclusões.

22 de mai. de 2010

Breve

Texto de blog é assim:

Curto.

Canibalismo

Utilizava uma cabeça de burro, o tempo todo. Não porque fosse dessa espécie. Queria passar-se por ignorante, animal estúpido e sempre falível. Carregava em suas costas o peso dos outros. Era burro, servia para esse fim. Concluiu então que burro é imprestável até certo ponto. Jogou a cabeça no lixo.

Jogou no lixo e arranjou outra. Uma cabeça de preguiça. Não porque fosse dessa espécie. Queria passar-se por lerdo, irritante e preguiçoso. Passou a ser incomodado por todo mundo. Por ser lerdo e irritante, era motivo para chacota. Concluiu então que ser preguiça é moralmente degradante. Novamente, cabeça no lixo.

Cabeça no lixo. E foi lá mesmo que encontrou a cabeça de porco. Não mais o intimidaram, menosprezaram, incomodaram. Assim, encontrou paz. 

Ninguém gosta de porcos. Até a hora certa. Prato na mesa.

16 de mai. de 2010

Flashs!

1) Nunca tome uma coca-cola de 1 litro durante a sessão de um filme com duração de 2h:30m. Certamente, você terá que ir ao banheiro no meio do filme e isso não é muito legal. Eu, por exemplo, odeio perder partes do filme. Fiquei até o fim com a bexiga no limite e ao sair tive que enfrentar fila no banheiro. Aguardando até o final do filme para esvaziar a bexiga, seja o primeiro a sair da sala do cinema...

2) O senhor tinha cinco cupons em mão. Colocava um por um na caixa do sorteio, uma caixa transparente. A cada cupom depositado, ele conferia se o papelzinho realmente caiu na caixa, olhava pela carcaça trasparente, e passava a mão na cabeça pouco cabeluda, talvez com o intuito de obter alguma sorte. Ao depositar o último cupom, olhou para um rapaz que estava atrás dele e deu um sorriso, dizendo alguma coisa. Talvez ele tenha dito algo como: "tomara que eu tenha sorte e ganhe um carrão desses aí".

3) Lembrei-me de uma viajem em que uma criança da região me confudiu com um americano. Ela me abordou dizendo um "what is your name?". Eu nada disse, talvez por pensar que ela estivesse tirando sarro da minha cara. Tenho cara de americano? Visto-me igual a um? Era sarro mesmo? Nunca saberei...

4) Admiro um conhecido meu que, apesar de trabalhar a semana inteira e de provavelmente estar muito cansado, tira seu sábado à noite para treinar quadrilha de festa junina com as crianças da catequese, com um grande sorriso e muita disposição.

PS: presiso parar de tomar coca-cola.

13 de mai. de 2010

Algo mais

São olhinhos azuis que cismam em olhar incessantemente em duas direções. A primeira, o rapaz de cabelo bonitinho. A segunda, a casca de banana. O plano é tosco. Fingiu andar distraída, fingiu pisar na casca de banana, fingiu escorregar. Simulou que caiu. Certamente, o rapaz não a deixaria ali no chão. Era a mais bonitinha da classe, a mais comentada entre os garotos, o pecado do momento. Claro que o rapaz se aproveitou da situação. Aproximou-se e entendeu a mão. Ela concedeu a ajuda, com um sorriso não simulado. E, ao levantar, abraçou-o em um gesto de agradecimento. Ele franziu a testa ao se deparar com a situação e sussurou um "de nada". Sussurrou algo mais, algo que a fez sorrir novamente.

O abraço prolongou-se demais e a multidão parava para ver a cena incomum. Afinal, não eram namorados. Eles perceberam a incoerência e se separaram com muito receio e pesar.

São olhinhos azuis que cismam em olhar o rapaz andar na direção oposta, com o vento movimentando os cabelos bonitinhos. E o sorriso se refaz quando a memória traz a tona o susurro. O sussurro que era algo mais. 

12 de mai. de 2010

(41) É a vida, pois a vida continua...

Onze e vinte da noite. 

Retornou. Cansara de toda aquela vidinha pouco agitada e mal paga. E o pior: sua alma havia amolecido. Era o que não podia aturar. Agora sentia-se fraco, desajeitado, sem mãos para fazer nada. Precisava matar, com ou sem mão. Nem que fosse com a boca ou com os pés. Pegaria uma faca enorme com sua boca, daquelas de cortar cana, e enfiaria no coração de alguém, impulsionado a arma com a força de sua língua.

Não haveria de dar certo. Sua língua era desprovida de tamanha força. As pernas talvez seriam uma solução viável. Sem chance. Era desengonçado demais com as pernas, seu talento concentrava-se em suas mãos. Mas ele não tinha mais mãos. Havia esquecido de como utilizá-las, de como atuar como um verdadeiro, destemido e infalível assassino. Assassino esse que já venceu a morte, que é comparado a deuses "olimpianos" e possui um saldo incomparável de mortes. Temido e procurado por qualquer entidade de segurança.

Onze e quarenta e nove. O Senhor Ferreira sobe as escadas de sua casa, com o objetivo de alcançar seu quarto para realizar o ato fisiológico de dormir. Tal senhor possui nome renomado, dotado de falcatruas em sua vida. Falcatruas essas desconhecidas por muitos, mas não para John. Seria uma morte justa.

Senhor Ferreira subindo as escadas e um vulto surge em sua frente, efetuando um grito estratégicamente aterrorizador. Assustado, dá um pulo pra trás. Não há chão, há o desnível do degrau. O senhor caí rolando, uma queda terrivelmente violenta. Quebra diversos ossos e morre de uma grave e dolorida hemorragia interna e externa. Sim, é algo sobrenatural.

John matou, e suas mãos sentiram que seu dono voltou a fazer o que ama. Agora respondem ao chamado do trabalho, o tão gratificante trabalho. A chamada arte singular de um serial-killer. Todos os segredos de mortes sensacionais e excitantes afloraram em sua mente. O show há muito tempo parado haveria de prosseguir.

E o sangue marcava na escada o local onde cada osso perfurou a pele, os órgãos, a vida do Ferreira. 

Onze e cinquenta e um.

10 de mai. de 2010

Um péssimo estilo

Veja o carrossel. Tantas luzes brilhantes distribuídas em sua carcaça amarela. O teto pintado de retângulos vermelhos, alternados por outros brancos. Colunas espalhafatosas de coloridas e cavalinhos rosas.

E quando o maquinário dá a partida, as luzes se fundem. A velocidade torna-se extraordinária e o branco reina triunfante. É agora uma estrela, a estrela das crianças. Vai subir ao céu, como um disco. Um disco voador.

E voou...

Veja só! É um gatinho! Uma corda em seu pescoço, presa ao carrossel. Rodopiou tanto que vomitou tudo que lhe forrava o estômago. Uma criança má o amarrou lá. Uma criança verde.

Eis que era um experimento, o qual não pode ser concluído. O gatinho foi arremessado pelos ares, sem paraquedas, sem nada. A corda arrebentou e o gatinho voou. Pobre dele.

Ele não caiu de pé...

Não sentira nada quando espatifou-se no chão. Estava morto minutos antes de arrebentar o focinho no chão, e todo o resto. Sorte, sorte dele. Má, má sorte da dona. Que com seu sapato amarelo, estupidamente caro, pisou nas entranhas do bichano.

E para o lixo o calçado foi... 

O carrossel desceu. Não porque tinha que descer. Desceu pois não tinha escolha de não descer. O maquinário parou, o branco sumiu e as cores vívidas voltaram. A fusão terminou. Crianças verdes não há mais. Da loucura toda, só resta o gatinho no chão. Na verdade, o que sobrou dele.

8 de mai. de 2010

5 de mai. de 2010

Teorema da Essência

Nunca haverá discórdia, ela será apenas um breve estado de espírito. As desculpas chegam rápido, pois os momentos bons se sobressaem.

Consiste em um gostar do outro, não somente. É superior que adorar chocolate e coca-cola. Mesmo que você ame tais banalidades. Largaria... deixaria tudo para trás...

 É uma troca valores, construída a partir da essência dos dois. O nódulo do relacionamento. A parte de um que surpreende e encanta o outro.

Então, o amor é feito de surpresas. A casa sempre vai cair, mas sempre estarão dispostos para reconstruir tudo, quantas vezes for necessário.

4 de mai. de 2010

Teorema do Desespero

Pensou que caiu e se encontrou caindo, pois de nada podia fazer para que fosse o contrário. Seus pensamentos pesados pelo desespero das infelicidades, como chumbo amarrado em seus tornolezos, tragavam o corpo para o abismo. Cabelos ao vento, verticais. Não um arrepio de espanto, é o arrepio do desespero. Doí a pele pelas infinitas horas de vento gélido, dor de cabeça e uma náusea incessante. Finalmente, o desejo de morrer breve.

Eis meu teorema. 

2 de mai. de 2010

A Teoria da Amizade

Ser amigo de formigas é formidável. Quando você suspeita que alguma delas lhe faltou com a verdade é só pisar em cima. Planejar uma morte inesquecível, um afogamento, torrar na fogueira, esquartejamento. E o melhor de tudo: a fonte é grande. Para uma há milhares, então você pode escolher a dedo. Literalmente. Uma verdadeira seleção genética, convenhamos. Pode-se escolher as manchadinhas, as com anteninhas maiores, as mais moreninhas, as mais cheinhas. E é de graça. Não há perigo perante a lei, você faz o que quiser. A diversão está em manipular suas amiguinhas, prende-las em lugares escuros, deixa-las com fome, oferecer veneno. Vida de formiga não é fácil, vida de amigo também não.

Amigo é para essas coisas.

28 de abr. de 2010

Reflexão Amorosa

Ela chegou fazendo pose para o namorado. Olhando para ele e querendo que o rapaz decifrasse o que seus olhos diziam.
- Não me venha com este mistério – disse o rapaz.
- O quê? – ela fingiu que nada entendeu.
- Você sabe que eu não entendo estes joguinhos de mulher.
- Quero terminar com você.
- O quê? – ele fingiu que não entendeu.
- Interessei-me por outro rapaz.
- Então você anda me traindo por aí?
- Na verdade, termino com você para que não haja uma traição.
- Mas tudo isso já é uma enorme traição!
- Não, não é. Ainda não tenho nada com o outro rapaz. Então, entende-se que não há traição alguma.
- Você é louca!
- Eu só estou pensando um pouquinho mais que você.
- Tudo isso é uma grande besteira! E se ele não quiser nada com você?
- Pelo menos eu não estarei traindo ninguém.
- Isso não faz sentido!
- Como você é infantil – diz Jennifer, que avistou seu grupo de amigas e para perto delas correu.
O rapaz olha para o chão e procura uma amiguinha para desabafar. Ao encontrar a formiga, ele estende a mão e deixa a criatura subir em seu dedo. Então formula e profere a pergunta:
- Estes relacionamentos estão cada vez mais malucos, não acha?