30 de ago. de 2010

A Sociedade do Fundo do Fosso

O odor acordara alguém no fundo do fosso. Mofo, umidade, cheiro que nariz algum mereça. Ele acordou com falta de ar. Toda a sujeira daquele ambiente já havia impregnada sua pele, seu cabelo, suas roupas. Levantou-se assustado e sacudiu-se igual cachorro molhado. Olhou para uma luz acima e, após presenciar um relincho sobrenatural, avistou olhos pegando fogo.

Abriu a boca para gritar e esterco caiu do céu, escorregando pela parede pontiaguda. Saboreou o gosto de cadáver, assustou-se e cuspiu, passando a mão na língua. Barulho forte de asas em movimento, algumas penas vermelhos espalhadas pelo ar e outras adormecidas no chão escuro e úmido. 

Uma corrente de ar atravessou seu corpo, era a criatura em movimento. A besta atirou-se no fosso, abriu as asas e planou. O homem encardido de fezes escondeu-se na escuridão de uma quina ali por perto.

As rachaduras exalavam cheiro do lado de fora, há muito tempo predominante por ali. Aromas de outras épocas, de outras estações e de outros cadáveres. O homem era quase um cadáver, um cadáver defunto. Imensa podridão no ambiente, marcada pela decomposição da quase que não finita matéria.

A criatura descia planando com suas grandes e avermelhadas asas. Jorrava suor por entre suas partes desprovidas de penugem, imundas e feridentas há bastante tempo, desde que apareceram por ali.

"Face a cara" com a besta, o homem arregalou os olhos com uma apreensão provida de pavor. As mãos excitadas em agarrar um cascalho, o mais pontiagudo possível. E foi lançado, vazando o olho da besta. Enfurecida, decepou o tronco do homem com a força das patas traseiras, demasiadamente cascudas. Um coice perfeito, corpo partido em dois, distância recorde de lançamento.

Uma besta caolha, um homem defunto cadáver. Mais matéria e podridão. Outro juntou-se à sociedade do fundo do fosso, inclusive o olho da besta. Mas esta ainda voa por aí.