23 de jul. de 2010

Volte Sempre

- Vou levar este tênis.

- Ótimo, senhor, dirija-sem ao caixa número dois.

- Têm desconto?

- Este preço já é o preço a vista.

- Entendo. Mas não tem como abaixar mais?

- Impossível. Um preço menor será descontado do meu salário.

- Nem 10 reais?

- Você é surdo?

- Como?

- Sabe, cansei de pessoas como você. Ficam insistindo em pagar menos. Eu odeio o ditado da esperança, a última que morre. Desista.

- Você deveria me tratar bem, sou cliente aqui!

- Certamente. Leve o tênis pelo preço da etiqueta. Desconto só para funcionários da loja.

- Quer saber, não levo nada. O concorrente deve atender melhor.

- Sim, atende sim.

- Então, adeus!

- Adeus.

- Você não vai me dá desconto mesmo, né?

- Preço da etiqueta, preço final. Assim como pretende ficar o meu salário, inteiro.

- Mas esse tênis só existe nessa loja.

- Pois é. É só pagar o preço da etiqueta. O preço líquido.

- Quero chamar o gerente!

- Ele não está.

- Droga.

- Então, vai levar?

- Não. Adeus.

- Adeus, volte sempre.

22 de jul. de 2010

21 de jul. de 2010

Notas do dia 21 de Julho

O fato de que Lívia Corbellari é a única leitora assídua deste blog é quase que uma verdade unânime. Digo quase, pois alguém pode desmentir minha afirmação, e eu sou muito de acreditar nas pessoas. A sugestão da senhorita Corbellari, que encontra-se na postagem anterior, seção comentários, foi muito relevante, e já está efetuada.

Mas, de fato, o primeiro parágrafo foi ladainha para a maioria dos leitores; maioria dos poucos. 

Vejamos o que minha manhã trouxe. Enquanto dirigia-me para a sala de estar, vi a coisa. Vulgo cachorro; cachorra, mais especificamente. Cochilava acalentada pela luz solar, que adentrava pelas enormes janelas de madeira. Parecia morta, mas dormia; as patas dianteiras e traseiras duras, como um defunto gélido. E, ao aproximar-me da coisa, ela abre os olhos encarando-me. E bate o rabo no chão, bate o rabo, bate o rabo; um som como o de alguém tirando a poeira de um tapete velho, batendo-o no chão repetidamente. Era alegria, creio; um soninho gostoso e um conhecido chegando por perto, talvez para um carinho. É só alegria. O chão de cerâmica estava frio, a luz do sol não era insuficiente para esquentá- lo - cerâmica não absorve calor com facilidade. Mas creio que a cadelinha estava quentinha, além de sonolenta e alegre, batendo o rabinho.

Durante a tarde, dei um passeio de ônibus. E no veículo, encaro as pessoas; adivinho certas coisas pelas suas feições, ou finjo adivinhar; talvez eu, tolo, acredite que adivinhe algo. Mas, enfim, chegamos ao passageiro observado. Um rosto melancólico, de certa dor. Talvez exausto por uma manhã trabalhosa, um começo de dia de trabalho. Unhas das mãos e pés parcialmente sujas de tinta, também degradadas, talvez por produtos químicos, e tinta não deixa de ser um. Um pintor, ou trabalhe com gesso ou algo parecido. De fato, o que sei, é que ele estava cansado. E ele me pegava olhando para ele.

- Não é nada! Só tenho que ter algo para escrever no blog hoje! Entende? - teria dito eu, sendo um pouco mais corajoso.

Chegamos à noite, eu voltando para casa. Para (para de parar, não há mais diferenciação) um carro por perto e, ao abrir de suas portas, um cheiro de perfume espalhou-se pelo ar. Um perfume que supus ser caro, pela fragrância desconhecida, extravagante e gostosíssima. Quatro rapazes vestidos à moda do momento saltaram do carro, e este partiu. Por fim, o carro era de uma marca não muito humilde. Inveja alguma, sou lesado com automotores e não faço questão de dirigir um. Investiria tal dinheiro em outras coisas...

Notas do dia concluídas, hora de tomar um café. Lívia Corbellari, obrigado pela atenção, e também vários "vivas" aos esporádicos leitores.

18 de jul. de 2010

A Crônica da Hora do Almoço

Seus olhos furtaram os pedaços de carne. Observou as redondezas com destreza, concluindo a hora certa do ato. Enlaçou a ponta de carne com os dedos da mão esquerda, escondendo-o na cavidade de sua boca. Os olhos, dissimulando a ação. O chefe não suspeitou, estava de conversa afiada com o garçom. Os clientes montavam o prato ali por perto, de maneira distraída. O churrasqueiro escapou ileso.

Ele, o churrasqueiro; que furtou o pedaço de carne com os olhos, logo após o dilacerando com os dentes, discretamente. Havia fome, havia tédio. Carne para fome, mastigação que espanta o tédio. Não foi uma má ação, foi uma a gloriosa ação, a ação; instinto primitivo. Deveria ser um bom hábito. Hábito esse que evitasse o desperdício do pedacinho de carne, hábito esse que mata a fome e quebra a rotina. E foi. É o ato da ilusória libertação daquele mundo.

Diria um mundo conhecido como pequeno inferno. Uma churrasqueira enorme e quente, que lhe incomoda aos montes. Algo quase que deplorável. Deplorável como a situação após o dia de trabalho, um suor impregnado de carne, cobrindo o corpo de um ser humano exausto. De fato, ele deve comer toda a carne que quiser. E água também, é essencial. Aquele senhor, vulgo chefe da churrascaria, deveria oferecer um suco de laranja ao churrasqueiro. Deveria sim, tentar até mesmo um rodízio, uma escala. Trocaria de lugar com seu fiel empregado, assumiria o inferno na terra, e os pedacinhos de céu na tábua de carne.

- Veja, chefe! É bom cortar carne! É bom cortar carne! Furtar  os pedacinhos que sobram na tábua, a melhor parte. É bom cortar carne! É bom cortar carne! O que vai querer? Um suquinho de laranja! Uma coca-cola também seria uma boa!

Oh! O suor pingando na carne, a gordura pingando na pele, a pele bronzeada de suor e gordura. Os pedaços de carnes furtados, quase que uma gorjeta mais que merecida. O paraíso no pequeno inferno.