20 de out. de 2010

Bem vindo à vitrine

Certo Shopping está em estado de finalização de sua nova expansão. A moda agora é usar vidro na arquitetura, e ele não ficou para trás. Como grande estabelecimento consumidor, quer oferecer o melhor e o de mais moderno para os clientes. Então, temos uma arquitetura com grandes janelas de vidro, em que se poderá ver os consumidores passeando dentro das lojas e realizando suas compras.

Creio que tal construção chamará a atenção das pessoas do lado de fora, principalmente dos motoristas que transitam ali pela via principal. Observar toda essa gente adquirindo produtos e sorrindo pelo fato de satisfazer essa vontade, a de comprar, deve ser muito estimulante. As mentes humanas devem engrenar em um consumismo frenético. Tudo passa de uma arquitetura, moderna, baseada em vidro e cheias de segundas intenções, como funciona tudo nos moldes capitalista.

É uma grande vitrine formada por pessoas, e com uma bela decoração no interior das lojas. Deve ser desconfortante ficar sendo observado, mas há aqueles que não estarão nem aí, e aqueles adorarão. É o exibicionismo, e os consumidores são peças essenciais dessa grande vitrine.

Alguns desafortunados deverão observar esse baile, as grandes janelas de vidros, as pessoas comprando. Pensarão em invadir tal local com pedras e pedaços de paus, com um número absurdo de comparsas. Coisa que nenhum segurança de paletó vai segurar, e nem um número pouco significante de seguranças armados vai suprimir. Será o fim; um novo assalto, na verdade, só que de proporções monumentais. Seria coisa de filme, mas eu não duvidaria.

Afinal todos nós somos vitrines, e nosso objetivo é ficar muito bem apresentável para quem nos olha. E os desafortunados querem ficar bem, logo depois de matar a fome. Então tal invasão é um filme bem possível. A concentração será no estacionamento do Shopping, e farão um arrastão... As madames ficarão horrorizadas, os jovens acharão maneiro, as menininhas correrão, os senhores acharão tudo um absurdo.

É o absurdo da miséria, em que a riqueza expõe tudo em janelas de vidro e deixa o povo maquinando, em suas cabeças, cenas de felicidade financeira. Eles, do lado de fora, também querem ser felizes como o povo da vitrine.

18 de out. de 2010

Enforcando o assunto

Esta máquina devia chamar-se fonte de água potável, ou algo parecido. Bebedouro parece-me algo animalesco. Não é uma negação. Somos todos animas e não sei se sentimos mais que os próprios animais, os superiores e inferiores. Mas sentimos demais. Bebedouro é ofensivo. E estou sentido.

De encontro ao barbeiro, cortar o cabelo. O de sempre, senhor. Não há diálogo, ele já sabe meu gosto. Como se fosse sempre a mesma coisa. Hoje sou diferente, veja esta espinha novinha. O corte poderia combinar com ela.

Não gosto de conversar, e esse silêncio no ambiente, interrompido apenas pelo movimento da tesoura e pelo deslizar do pente no cabelo, já incomoda. Também há respiração das pessoas, passos. Não há palavras, quero palavras. Não vou falar nada, não gosto de conversas. Não seria eu mesmo.

Não tenho corda para arrastar o assunto.

E cortar cabelo faz cosquinha. É bom. Melhor que carinho na barriga, que também faz cosquinha.