30 de dez. de 2009

É a vida! (25)

O clima na cidade é abafado e aterrorizador. Carros despejam fumaça de gosto ruim, construções sombreiam a luz do sol e chove água dos ar-condicionados. Pessoas andam com pensamentos definidos, horários e compromissos. Não há espaço para resolver o problema dos outros, apenas quem está à margem pode oferecer alguma esperança.

- Hey! O carnaval já passou amigo! – disse o Mendigo.

Apuã sabia falar português, ele se virava bem, mas ler era complicado, não aprendera, ninguém em sua tribo sabia português, havia apenas um dialeto aportuguesado, aprenderam a falar fazendo trabalhos para os seringueiros. Seu português era horrível, porém compreensível.

- Você pode ler para mim?

Mostrou os papéis para o mendigo e deu um sorriso de por favor. O senhor esfarrapado olhou para ele e deu uma gargalhada, logo depois virou um pouco de sua garrafa de cachaça.

- Meu caro, este senhor aqui não sabe nem escrever o próprio nome!

- Eu também não!

- Vejo que você veio da floresta, os seringueiros não abrem mão de dar trabalho aos índios. Creio que você os conhece, hem, rapaz?

- Sim!

- Eles são perigosos, só pensam em dinheiro. És nada para eles, no menor descuido os rapazes entram em sua aldeia, abusam das mulheres e saqueiam tudo.

O senhor não sabia escrever mas era inteligente e sabia reconhecer muito bem uma situação de merecida ajuda.

- Não entendo nada que o senhor fala! – disse Apuã.

- Esqueça, rapaz. Minha filha chegará em casa brevemente, veja, ela mora ali. Dê uma passada por lá e fale com ela, diga que eu a indiquei. Ela poderá ler isso aí para você, me parece que são pedaços de jornais, será moleza. Ela lerá tudo, prometo, minha pequena criança tem um bom coração.

A palavra pequena criança fez Apuã lembrar de sua mãe de criação, Ataia. Ficou triste por um momento mas logo depois esqueceu essa tristeza, parecia ficar cada vez mais frio. Ainda pensava na mulher que viu na aldeia, a desejava muito, queria sua carne, debruçar-se em seus cabelos loiros, montar nela. Queria tudo, mas antes, deveria desvendar seu passado, depois, encontraria a mulher, a caçaria como um bixo, desvendaria os segredos do mundo em que ela vive e a possuiria. Ele prometeu para si mesmo.

- Veja, rapaz! Ela está chegando em casa, vá, rapaz, vá! Peça algo para comer também, ela não negará!

Apuã partiu em direção à casa cor-de-rosa, o passado talvez explicasse a escuridão que cresce em seus pensamentos e coração.

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