9 de dez. de 2009

Mortos no Living?

O cheiro pouco agradável de carne podre é o cartão de boas vindas para o senhor que acorda. Manhã linda, a qual era sentida estranhamente pela pele, indevidamente sensível a meios terrenos, esbanjava claridade reveladora que quebrava o clima maquiavélico. Onipresença penetrante em todos os cômodos do estabelecimento, sentidos fundidos em uma só alma confusamente entrelaçada por diversos lapsos memoriais. A menina parcialmente desnuda ainda chora no canto mofado do banheiro dos fundos, sinestesia de sangue com cor-de-rosa. Jaz a corda, muda e extravagante, em seu ponto estratégicamente armado para uma morte sem escapatória, não muito rápida, mas decidida.

Indagam ainda as cadeiras que presenciaram o ato depravador, cederam, involuntariamente, o lugar ao clímax fulminante do ato proibido. As demais testemunhas preferiram permanecer em silêncio, como sempre fizeram durante suas vidas utilizáveis.

Finalmente depara-se com o corpo. Familiar, sem vida, branco, inchado. Tosco. Sensação alguma tomou a alma recém libertada, parece não se importar com o passado pesado, peso tem de ser esquecido. Não entendia? Lembrou de conversas sem sentido, olhou para a menina do banheiro. Ainda chorava, desnuda, moralmente morta.

Papai? O grito da corda que vinga a criança. O lamentar das cadeiras e o cochichar das paredes.




Dedicado a Miguel Marvilla, cujo livro, Os Mortos Estão no Living, é fascinante. 


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