25 de abr. de 2010

Tão desmerecida nostalgia

O portão vai se fechando e ele fica olhando aquela pessoa partir. Ela, que tanto tempo estivera com ele, se distancia sem longas despedidas. Apenas lança um olhar de volto em breve.

A mão enrugada e trêmula tenta desenhar no ar o convencionado sinal de despedida, mas para no meio caminho. Ele decifrou aquele olhar, revelando a grande farsa.

Ao fechar do portão, o carro parte em alta velocidade. Olha ela partir e a lágrima escorrega do rosto. Sentiu-se um peso por trás do portão.

Percebeu que por ali ficaria.

Haveria de ficar triste? Tentava buscar felicidade no que lhe restara.  

Recebia visitas. Crianças, moças e rapazes apareciam por ali de vez em quando. Aproximavam-se com um tímido sorriso e puxavam um assunto às vezes sem muito nexo. Era tudo muito bom.

Atestavam gostar dele e prometiam voltar algum dia. Sabia que a maioria não voltaria, mas gostava da atenção prestada.

Famílias visitavam alguns dos outros deixados por ali. Ele observava e refletia. Onde estaria a sua própria família?

“Eles prometerem visitá-lo”, disse alguém em uma conversa. Não, não minta. Ele sabe quando você fala a verdade.

Lembrou-se dela, ela que cuidava dele alguns meses atrás. Qual era o nome dela? Luciana? Não, Luciana era o nome de alguma mocinha da novela das nove. Percebeu que do nome ele não se lembrava.

Sempre esperava ansioso o final de semana, dia das visitas. Quando alguém vinha lhe dar atenção, seus olhinhos semi-abertos brilhavam como os de uma criança ao ver o brinquedo predileto. Todos eram recebidos com imenso carinho.

“Tudo bem? Como vai? O senhor está bonito hoje.” Não pensava mais naquele dia em que foi deixado por ali, na verdade, nem recordava mais daquele dia. Até pensava que nascera por ali.

Adorava. Adorava um cafuné em seus branquíssimos cabelos.

Em um dia frio de fina chuva ele não se levantou cedo. A cama estava demasiadamente confortável. Seus membros teimavam em obedecer. Então, fechou os olhos e imaginou-se de pé, perto do portão. Aquela moça? Não lembrava o nome dela.

Carro partindo e portão fechando. Mão trêmula vacilando em se despedir. Os branquíssimos cabelos balançando com o vento e a lágrima escorregando pelas enrugadas bochechas. Ele partiria também.

Como uma criança que teima em acordar cedo para ir à escola, ele não se levantou. Ficou por lá durante algumas horas, até que alguém constatou que ele não acordaria mais.

A mão tremula cessou, os olhinhos semi-abertos se fecharam totalmente.

Talvez ela não merecesse que seu nome fosse lembrado por ele.

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